O plenário do STF (Supremo Tribunal
Federal) decidiu nesta quarta-feira (26) manter o cancelamento do título eleitoral
de 3,4 milhões de brasileiros — a maioria do Nordeste — que não realizaram
o cadastramento biométrico dentro do prazo estabelecido pelo TSE (Tribunal
Superior Eleitoral).
O julgamento foi finalizado em 7 votos a 2 contra o pedido do PSB
(Partido Socialista Brasileiro) para que os cancelamentos fossem anulados e os
eleitores, autorizados a votar.
Segundo o
partido, que é acompanhado na ação por PT e PCdoB, “tudo indica que a maioria
dos eleitores privados do direito ao voto é de cidadãos humildes” e que não
tiveram acesso à informação para cumprir a formalidade. Por isso, ao pedir
medida cautelar (urgente), o PSB defendeu que a falta de cadastramento
biométrico não era razão suficiente para impedir o voto desses eleitores. O
partido alega que há violação à democracia, à cidadania, à soberania popular e
aos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
O TSE, no
entanto, se posicionou contrário ao pedido. Em manifestação enviada ao Supremo,
a presidente da corte eleitoral, Rosa Weber, afirmou que a medida levaria ao
"comprometimento do calendário eleitoral", inviabilizando a realização do primeiro turno em 7 de
outubro próximo, além de gerar "elevados custos" para
o "refazimento das diversas etapas do pleito". Segundo Rosa Weber, o
TSE faz revisão do cadastro de eleitores "em caráter permanente".
O Brasil tem
147,3 milhões de eleitores aptos a votar este ano — em 2014 eram 142,8 milhões.
Do total, 73,6 milhões de eleitores serão identificados por biometria (50,3%),
o que representa praticamente a metade do eleitorado.
O
cancelamento de título eleitoral atingiu 3.368.447 brasileiros entre 2016 e
2018, segundo o TSE, em 1.248 municípios de 22 Estados.
O julgamento
Durante o
julgamento de hoje, prevaleceu o posicionamento do ministro Luis Roberto
Barroso, relator da ação, que manteve a posição do TSE. Ele foi acompanhado
por Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen
Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, presidente da corte. Os
dois votos divergentes foram de Marco Aurélio Mello e Ricardo
Lewandowski. Os ministros Celso de Mello e Rosa Weber se declararam
suspeitos para atuar na ação e não participaram.
Para
Barroso, não há inconstitucionalidade na revisão eleitoral e no cancelamento de
título em caso de não comparecimento, já que não há indício de que o processo
tenha sido direcionado ou que tenha causado prejuízo a grupos específicos.
"Não
vejo inconstitucionalidade no modo como a legislação e o TSE disciplinaram a
revisão eleitoral e o cancelamento do título em caso de não comparecimento para
a sua renovação. Eu penso que o TSE demonstrou as dificuldades técnicas e o
risco para as eleições há menos de duas semanas”, disse Barroso.
No voto em
que acompanha o relator, Alexandre de Moraes chamou de "paternalismo no
tratamento do eleitor" caso a ação fosse julgada favorável. "O
eleitor tem direitos e deveres. Tem direito a ampla participação, e um único
dever, o de se recadastrar quando chamado", disse. "Se a grande
maioria que não se cadastraram são os mais pobres, a grande maioria que se
cadastrou também são os mais pobres", declarou.
Após o
ministro Edson Fachin também se declarar contrário ao pedido, os ministros
Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski interroperam a ordem de julgamento
para manifestarem contrariedade com a decisão que àquela altura já vinha se
desenhando na corte.
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"A meu
ver é muito mais séria [essa decisão] do que possamos imaginar, porque a
consequência é de gravidade maior", declarou Marco Aurélio. "Se
retirar cerca de 4 milhoes de eleitores [do pleito] só por isso ou por aquilo,
porque não houve notificação específica, porque deixaram de comparecer ao
cartório", continuou.
Marco
Aurélio e Lewandowski alegavam que metade do eleitorado ainda será identificado
da forma manual, por documento com foto, e que, por isso, os eleitores que não
fizeram a biometria poderia votar pelo método antigo.
"Fachin,
Vossa Excelência sabe que a diferença da candidata eleita na última eleição foi
de 3,5 milhões de votos. Uma diferença dessa natureza numa eleição que já vem
sendo questionada por determinados setores que eu não tenho pejo de dizer
antidemocraticos, como é que vamos ficar?", questionou Lewandowski.
O relator
Luís Barroso intercedeu e afirmou que "não comparecer" ao
cadastramento da biometria não é o que gera o cancelamento do título. "Não
comparecer à biometria nao gera perda de título. O que gera é não comparecer à
revisão eleitoral quando o TRE [convoca], constatando quando há alguma
irregularidade em tese", disse.
Fim do
julgamento
Na sequência
Luiz Fux tomou a palavra e se declarou contrário ao pedido do PSB afirmando que
a biometria faz parte de um processo de aprimoramento da Justiça Eleitoral
contra falsidades de eleitores e ilegalidades na votação. "Essa biometria
só fez o bem. O que é surpreendente é essa ação ser proposta a apenas 10 dias
da eleição, o que visa a gerar um ambiente de suspeição", afirmou o
ministro.
Cármen Lúcia
também se posicionou ao lado de Barroso e disse que "não há violação a
qualquer um dos princípios apresentados, como violação ao direito do
voto". Para a ex-presidente do STF, "voto é também dever, e se exerce
nos termos da lei, e temos lei, há 33 anos, o qual tem a possibilidade de
cancelamento do titulo de eleitor de quem não comparecer para recadastramento,
seja antes ou na revisão eleitoral.
Marco
Aurélio e Lewandowski votaram na sequência a favor do pedido de urgência do PSB
e, depois, deixaram o plenário. Lewandowski chegou a sugerir que os eleitores
atingidos votassem manualmente, em urna de lona, no primeiro turno, superando
as dificuldades apresentadas pela Justiça Eleitoral.
"Estará
mal ferido um dos mais importantes direitos fundamentais, quiçá o principal
deles, que é o de participar da vida pública por meio do voto", disse
Lewandowski.
Para Marco
Aurélio, estará prejudicado o "sufrágio universal" definido na
Constituição Federal. Ele reiteradamente afirmou que a biometria se trata de um
recadastramento, mas que o cadastro eleitoral já existe, com os nomes dos
eleitores que tiveram seus títulos cancelados. Segundo o ministro, a Lei das
Eleições previu a possibilidade de biometria, mas sem prever sanção. “Vamos
colocar na clandestinidade esses eleitores como se não fossem cidadãos
brasileiros? Vamos colocar em primeiro plano as resoluções do TSE em detrimento
da Lei Maior?", disse.
Gilmar
Mendes, em seguida, afirmou que a cada ciclo eleitoral uma parcela do
eleitorado tem seus títulos cancelados por vários motivos, como o não
comparecimento sem justificativa, e que isso não leva a questionamentos como o
feito pelo PSB.
Toffoli
anunciou o resultado contra o pedido do partido e manteve os títulos
cancelados. O presidente do Supremo reiterou que a decisão é definitiva, não
apenas com relação à medida cautelar (de urgência), mas também com relação ao
mérito do pedido, o que significa que a corte não voltará a analisar a ação.