A Independência da Bahia foi um
movimento que, iniciado em 19 de fevereiro de 1822 e com desfecho em 2 de julho de 1823, motivado pelo sentimento federalista emancipador
de seu povo, terminou pela inserção da então província na
unidade nacional brasileira, durante a Guerra da Independência do Brasil.
Aderira Salvador à Revolução liberal do Porto, de 1820 e, com a convocação das Cortes Gerais em Lisboa,
em janeiro do ano seguinte, envia deputados como Miguel Calmon du Pin e Almeida na defesa dos
interesses locais. Divide-se a cidade em vários partidos, o liberal unindo
mesmo portugueses e brasileiros, interessados em manter a condição conquistada
com a vinda da Corte para o país de Reino Unido, e os lusitanos interessados na
volta ao estado de antes.[2]
Dividem-se
os interesses, acirram-se os ânimos: de um lado, portugueses interessados em
manter a província como colônia, dos outros brasileiros, liberais, conservadores,
monarquistas e até republicanos se unem, finalmente, no interesse comum de uma
luta que já se fazia ao longo de quase um ano, e que somente se faz unificada
com a própria Independência do Brasil a partir de 14 de junho de 1822, quando é feita na Câmara da vila de Santo Amaro da Purificação a proclamação que
pregava a unidade nacional, e reconhecia a autoridade de D. Pedro I.[2]
Na Bahia
a luta pela Independência veio antes da brasileira, e só concretizou-se quase
um ano depois do 7
de setembro de 1822: ao contrário da pacífica proclamação às margens do
riacho Ipiranga, só ao custo de milhares de vidas e acirradas
batalhas por terra e mar emancipou-se de Portugal, de tal modo que seu Hino afirma
ter o Sol que nasceu ao 2 de julho brilhado mais que o primeiro.
Agitações
na Bahia
Sementes da luta
A partir da Conjuração Baiana (1798), pode-se afirmar que
na Bahia, mais até que em Minas Gerais quando
da Inconfidência Mineira (1789), estava arraigado na
população o sentimento de independência em relação a Portugal. Se em Minas o
conciliábulo se deu entre as famílias mais abastadas, na Bahia gente humilde
participou ativamente, como por exemplo colando cartazes nas ruas concitando o
apoio de todos.
A Revolução liberal do Porto (1820) teve enorme
repercussão na Bahia, onde era grande o número de portugueses. Como
desdobramento, em fevereiro de 1821 uma
conspiração de cunho constitucionalista eclodiu
em Salvador. Dela participaram Cipriano Barata, José Pedro de Alcântara, o
capitão João Ribeiro Neves e
outros. Detido o Comandante das Armas e soltos os soldados presos, foi lida uma
proclamação que exortava:
Os nossos
irmãos europeus derrotaram o despotismo em Portugal e restabeleceram a boa
ordem da nação portuguesa (…) Soldados! A Bahia é nossa pátria e nós não
somos menos valorosos que os Cabreiras e Sepúlvedas! Nós somos os salvadores
do nosso país; a demora é prejudicial, o despotismo e a traição do Rio de
Janeiro maquinam contra nós, não devemos consentir que o Brasil fique nos
ferros da escravidão.
|
E concluía:
Viva a
constituição e cortes na Bahia e Brasil — Viva El-Rei D. João VI nosso soberano pela
constituição. Marcha.
|
Os conspiradores liberais pretendiam, como em
Portugal, uma constituição que limitasse o poder real. Habilmente, alguns foram
adrede convencidos de que a verdadeira luta deveria ser pela manutenção do
soberano no Brasil, entre eles o futuro marquês de Barbacena, então marechal Felisberto
Caldeira Brant Pontes que, apesar de brasileiro, comandou a
reação do governo, junto ao então coronel Inácio Luís Madeira de Melo. Lutas
ocorreram até à vitória dos revoltosos, sendo aclamado ao povo, na Praça da
Câmara, o novo estado de coisas. O Governador, conde da Palma,
foi à Câmara Municipal e renunciou.
Portugueses e brasileiros estavam unidos, e
constituíram uma Junta Governativa. Mas a situação não iria durar.
Julho de 1822: a Bahia conflagrada
Os brasileiros ainda na capital reagiram com
pedradas às ações militares de Madeira de Melo e, na procissão de São José (21 de março de 1822), os portugueses
foram apedrejados.
Sobre esse episódio, Madeira de Melo registrou:
Então
viu-se nesta cidade reunir-se uma multidão de negros a fazer depósitos de
pedras em alguns lugares muito públicos, como o Largo do Teatro e ruas
adjacentes; tomaram suas posições e logo que apareceu uma procissão que era
feita por naturais da Europa, atiraram sobre ela uma infinidade de pedradas
(…) Chegada a noite, reuniram-se grandes magotes em diferentes sítios e
apedrejaram todos os soldados e mais pessoas que viram ser Europeus (…)
—[3]
|
Respondia pelos interesses dos baianos o
jornal Constitucional, de Francisco Corte Imperial e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (que
veio a compor o primeiro governo durante as lutas), que dava vazão aos
sentimentos da maioria do povo.
A cidade de Salvador assistia à debandada, a cada
dia maior, dos moradores, que aumentou diante da chegada de reforços a Madeira
de Melo: um navio, dos que levavam tropas do Rio de Janeiro de volta a
Portugal, aportou na capital, ali deixando seus soldados.
Consulta às câmaras municipais
Os deputados da província da Bahia nas
Cortes de Lisboa — entre os quais Luís Paulino d'Oliveira Pinto da França, que
chegou a ser enviado por D. João VI para negociar com Madeira de Melo (chegando
após o desfecho do conflito) — consultaram por carta os seus distritos,
indagando qual a opinião das municipalidades sobre qual deveria ser a relação
da Bahia com a metrópole. Tomando a frente, as vilas de Santo
Amaro,[4] Cachoeira e São Francisco do Conde, seguidas pelas demais,
manifestaram-se favoráveis a que a província passasse para a regência de D.
Pedro, no Rio de Janeiro. Havia, por trás destas declarações, nítida vontade de
separação de Portugal, a quem já tinham como a figura opressora.
Uma
escuna militar foi mandada por Madeira de Melo para Cachoeira. A 25 de junho de 1822, reuniram-se na Câmara Municipal de
Cachoeira os nomes de Antônio de Cerqueira Lima, José Garcia Pacheco de Aragão, Antônio de Castro Lima, Joaquim Pedreira do Couto
Ferraz, Rodrigo Antônio Falcão Brandão, José Fiúza de Almeida e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, futuro
visconde de Jequitinhonha, tendo como resultado a consulta ao povo, pelo
Procurador do Senado da Câmara, "se concordava que se proclamasse Sua
Alteza Real como Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, da mesma
forma que havia sido no Rio de Janeiro". O povo respondeu com
entusiasmo que "Sim!".
Em
comemoração, a vila iniciou em seguida um desfile da cavalaria que marchou
pelas ruas, celebrando-se uma missa. Durante o desfile popular, foram
disparados tiros em sua direção, vindos da casa de um português e da escuna
fundeada ao largo. O tiroteio seguiu por toda a noite e no dia seguinte.
Formação da "Junta de Defesa" em Cachoeira
Os partidários "brasileiros" reuniram-se
na cidade de Maragojipe, a 23 quilômetros de Cachoeira, em novembro de 1822
e decidiram então que todos ficariam do lado de D. Pedro e contra a coroa
portuguesa. Proclamaram uma Junta Conciliatória e de Defesa, para
governo da cidade, em sessão permanente, recebendo a adesão de muitos
portugueses. Dentre esses brasileiros, destacavam-se Rodrigo Antônio Falcão Brandão, depois
feito primeiro barão de Belém, e Maria Quitéria de Jesus. Foi constituída
uma caixa militar e instaram ao comandante da escuna portuguesa para que
cessasse o ataque, obtendo como resposta uma ameaça.
O povo reagiu e teve lugar o primeiro combate pela
tomada da embarcação que, cercada por terra e água, resistiu até à captura e
prisão dos sobreviventes, em 28 de junho de 1822. As vilas do Recôncavo foram aos poucos aderindo à de
Cachoeira. Salvador tornou-se alvo de maiores opressões de Madeira de Melo, e o
êxodo da população ganhou intensidade.
As municipalidades se organizaram para um combate,
treinando tropas, cavando trincheiras.
Pelo sertão chegavam as adesões. Posições estratégicas foram tomadas nas ilhas
do Recôncavo, em Pirajá e Cabrito. As hostilidades iniciaram-se e as suas
notícias espalharam-se pela Província e pelo restante do país. Itaparica já
aderira. Para lá enviou Madeira de Melo uma expedição, que chegou atirando. O
povo fugiu, engrossando as hostes que se concentravam no Recôncavo.
Em Cachoeira foi organizado um novo Governo, para
comandar a resistência, a 22 de setembro de
1822, sob a presidência de Miguel Calmon do Pin e Almeida,
futuro Marquês de Abrantes.
Todos estes movimentos foram comunicados ao
Príncipe-Regente. De Portugal, 750 soldados enviados como reforço para a manutenção
da ordem na Bahia, chegaram em agosto.
Proclamada a Independência do Brasil (Setembro),
em outubro de 1822 chegou do Rio de Janeiro o primeiro reforço aos patriotas
baianos, sob o comando do francês general Pedro Labatut.
Era uma tropa constituída quase toda por portugueses, já que ainda não existia
um exército verdadeiramente nacional. O seu desembarque foi impedido, indo
aportar a Maceió, em Alagoas, de onde veio, por terra – conseguindo assim
arregimentar mais elementos ao fraco contingente.
Labatut assumiu o comando das operações, sendo mais
tarde substituído nessa função pelo general José Joaquim de Lima e Silva.
Batalha de Pirajá
Tendo recebido reforços, Madeira de Melo
desferiu um grande golpe contra as tropas brasileiras em Pirajá,
conduzindo as suas forças para a Estradas das Boiadas (hoje
localizada no bairro da Liberdade). Assim registrou Tobias Monteiro, em
"A elaboração da independência":
A luta foi
tremenda, a resistência heroica; mas após quase cinco horas de refregas,
acudindo reforços chegados da cidade e para não ver o exército bipartido, os
independentes estavam ao ponto de recuar e escolher na retaguarda melhor ponto
de defesa.
Já galgavam os atacantes as encostas dos montes, certos de levar de vencida o inimigo, quando ouviram o toque sinistro de avançar cavalaria e degolar. O corneta, a quem o major Barros Falcão, que comandava a ação naquele ponto, dera ordem de tocar retirada, trocara, por conta própria, o toque destinado a anunciar a derrota dos irmãos de armas, pelo do ataque inesperado, donde veio a desordem e o pânico dos portugueses.
O estratagema providencial de Luís Lopes, que assim se chamava esse lusitano aderente à causa do Brasil, transformou subitamente a ação. Espantados da presença dessa cavalaria imaginária, com que não contavam, os portugueses estremeceram indecisos e, por fim, recuaram. Sem perda de um momento, prevalecendo-se os brasileiros da situação, ordenaram a carga de baioneta. As hostes quase vitoriosas vinham agora de roldão sobre a planície, fugindo amedrontadas, envolvendo as reservas na mesma dispersão e na mesma derrota.
Depois desse desastre e do último malogro da ação sobre Itaparica, o exército de Madeira ficou em total abatimento, que não pôde renovar reforços para dominar além da capital.
Já galgavam os atacantes as encostas dos montes, certos de levar de vencida o inimigo, quando ouviram o toque sinistro de avançar cavalaria e degolar. O corneta, a quem o major Barros Falcão, que comandava a ação naquele ponto, dera ordem de tocar retirada, trocara, por conta própria, o toque destinado a anunciar a derrota dos irmãos de armas, pelo do ataque inesperado, donde veio a desordem e o pânico dos portugueses.
O estratagema providencial de Luís Lopes, que assim se chamava esse lusitano aderente à causa do Brasil, transformou subitamente a ação. Espantados da presença dessa cavalaria imaginária, com que não contavam, os portugueses estremeceram indecisos e, por fim, recuaram. Sem perda de um momento, prevalecendo-se os brasileiros da situação, ordenaram a carga de baioneta. As hostes quase vitoriosas vinham agora de roldão sobre a planície, fugindo amedrontadas, envolvendo as reservas na mesma dispersão e na mesma derrota.
Depois desse desastre e do último malogro da ação sobre Itaparica, o exército de Madeira ficou em total abatimento, que não pôde renovar reforços para dominar além da capital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário