Mochilas amarradas às costas, pás e
picaretas atravessadas sob o banco de couro sintético rasgado. Os pilotos
arrancam em suas motocicletas e pegam a estrada levantando poeira no solo
pedregoso do sertão.
O
destino final é a zona rural de Santaluz, município de 38 mil habitantes do
norte da Bahia, a 270 km de Salvador.
É lá que
centenas de homens e mulheres se aglomeram e disputam cada palmo de terra em
uma corrida árdua por um troféu incerto.
A
corrida pelo ouro na Bahia começou em fevereiro deste ano, teve seu ápice em
março e chega ao final de abril com jeitão de fim de feira. O ponto de partida
foi uma pepita de 804 g encontrada por cinco garimpeiros sob as raízes de um
mandacaru, típico de região.
A peça
foi vendida por R$ 93 mil, e a notícia se espalhou na internet. Em poucas
semanas, 2.000 pessoas já estavam trabalhando na área, cuja pesquisa e
prospecção de ouro é de exclusividade da mineradora canadense Yamana Gold.
Os
primeiros a chegar foram os caçadores de ouro, que cruzam o país na medida em
que surgem notícias de garimpos de pedras e metais preciosos.
Francisco
Cardoso, 66, que percorre garimpos desde 1983, saiu de Palmas (TO) munido de um
detector de metais que custou R$ 8.000. Não conseguiu muita coisa. "Olha
só. Não dá para fazer nem obturação de rato", disse ele, exibindo minúsculas
pedras que não chegam a 1 g. Na região, cada grama de ouro é vendida por R$ 100
aos atravessadores.
Mas
Francisco é um dos últimos garimpeiros profissionais em Santaluz. Atualmente, o
garimpo é tomado pelos chamados faisqueiros, que cavam a terra em busca de
lascas –ou faíscas– de ouro.
Os
faisqueiros em geral são camponeses que veem no ouro uma oportunidade de renda.
Sem emprego e sem ter como plantar diante de uma seca de sete anos, eles saem
de povoados de Santaluz e cidades próximas, como Nordestina, Quijingue e
Cansanção.
"Parece
que Deus guardou o ouro para ele aparecer no nosso momento mais difícil",
resumiu Felipe Barreto, 68.
Que o
diga o agricultor João Gilberto de Jesus, 37, que chegou na região na última
quarta (18) sem nunca ter trabalhado como garimpeiro na vida. Sem oferta de
trabalho temporário nas roças, foi buscar no ouro o sustento da mulher e dos
seis filhos: "Quem sabe eu não dou sorte?", diz.
Gilmário
Reis, 30, seguiu o mesmo caminho. Até novembro do ano passado, construía
sistemas de distribuição de água em Olinda (PE). Mas do antigo emprego restou
somente o macacão, com o qual se protegia do sol e dos espinhos da vegetação
baiana.
Eva
Estrela de Matos, 56, separava o cascalho da areia mais fina com uma peneira.
Uma, duas, três, várias vezes seguidas. Não reclamava. Conseguiu R$ 500 em dois
dias de garimpo –dinheiro dividido com os filhos e a nora.
Além dos
que cavam a terra em busca do ouro, também há os que vão atrás do dinheiro que
ouro produz. Mesmo isolados a quase 40 km da sede da cidade de Santaluz, não
falta nada aos garimpeiros.
Há
ambulantes que vendem de tudo: água e refrigerante para refrescar do calor,
feijoada para garantir força nos braços, cachaça para aplacar o cansaço e até
perfumes falsificados de grifes famosas.
Edevaldo
Santos, 42, vendia geladinhos. Ele perdeu o braço direito há 18 anos numa
máquina desfibradora de sisal –planta cujas fibras são usadas na indústria
têxtil. Sem emprego e sem ter conseguido uma pensão por invalidez, viu no
garimpo uma oportunidade de comércio. Em casa, mulher e dois filhos o esperam.
A
exploração do ouro na região sisaleira acontece há mais de 30 anos e faz da
Bahia o quarto estado em extração do metal precioso -em 2016, foram 6,1
toneladas, segundo dados da ANM (Agência Nacional de Mineração).
Mesmo
com a presença de grandes mineradoras, o garimpo ilegal sempre fez parte da
região, e cresce ou reflui à medida em que são descobertas novas áreas de
prospecção.
Pela
lei, os garimpeiros podem ser enquadrados por crime de exploração ilegal de
minério, que prevê multa e até prisão. Mas as autoridades buscam intermediar
acordos entre mineradoras e garimpeiros. "Encaramos como um problema
social", diz Raimundo Sobreira, superintendente da ANM na Bahia.
No
garimpo ilegal, não há regras definidas, mas acordos tácitos. Se um garimpeiro
abriu um buraco e está trabalhando dentro dele, o outro não pisa lá dentro. Mas
se ele sair de lá, o primeiro que entrar vira seu novo dono. Garimpeiros chegam
a dormir dentro das crateras.
Tem quem
trabalhe sozinho ou quem busque parcerias. Os donos de um dos principais meios
de produção -os detectores de metais- ficam com 30% do ouro encontrado com a
ajuda do equipamento. O que encontrou a famosa pepita ficou com R$ 27,9 mil.
Há os
que garimpam cavando a terra e os que as colocam em sacos e seguem para lagoas
e riachos para peneirar a terra na água com as bateias -um prato metálico
pontiagudo que lembra um chapéu vietnamita virado ao contrário.
Gonçalo
Batista, 49, é um dos que passam o dia com metade do corpo dentro de uma
represa, entoando canções evangélicas com sua voz de trovador nordestino. Com
olhar treinado, identifica minúsculas fagulhas de ouro em meio a terra
lamacenta.
Vive de
garimpo em garimpo e costuma extrair cerca de R$ 100 em ouro por dia. Metade
vai para seu filho, Gustavo, 17, que carrega os sacos de terra até a represa.
Ele deixou de estudar na 7ª série e começa a aprender o ofício com o pai.
Jovens
como ele começam a formar a nova geração de garimpeiros do sertão.
Um deles
é Fernando Monteiro, que aprendeu o ofício aos 12 anos com o irmão. Aos 17,
parece mais velho. Mas não liga para o trabalho duro e concentra no ouro sua
expectativa de futuro. "Minha pepita está me esperando. Vocês vão ver, vou
ser o cabra mais bonito da região", disse, antes de mais uma marretada sob
a raiz de um mandacaru. Com informações da Folhapress.
Fonte: Msn Noticias.
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